Erick Alves • 21/09/2019
21/09/2019Olá pessoal, tudo bem?
Neste artigo, vou comentar uma importante decisão recente do STF, em sede de repercussão geral, que pacificou um assunto polêmico do Direito Administrativo, relativo à Responsabilidade Civil do Estado.
O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro, vou apresentar o contexto do julgado; em seguida, a decisão do STF; logo após, uma dica de prova; e, por fim, algumas considerações adicionais sobre o tema.
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Vamos lá!
Visualize o seguinte caso: Jesus Batista, um servidor público municipal que detém o cargo de motorista em Tabapoã, SP, argumenta que a prefeita, sua superior hierárquica, o deslocou de ofício para exercer as suas atividades em outro local por perseguição política. Isso após Jesus ser eleito vereador nas eleições de 2008 e compor a oposição política ao governo.
Em outras palavras, estamos diante de alegações da remoção de um servidor público realizada de ofício e maculada por desvio de finalidade, ou seja, um ato administrativo de remoção ilegal e nulo.
Considerando esse quadro, o servidor propôs uma ação indenizatória por danos morais e materiais sofridos.
A pergunta é: quem detém legitimidade para figurar no polo passivo da ação? Ou seja, contra quem Jesus Batista pode propor a referida ação?
É possível indicar a prefeita como ré? O município de Tabapoã? Ambos? O interessado pode escolher contra quem mover a ação?
A polêmica enfrentada de forma abstrata é a possibilidade de acionamento judicial direto de agente público, por atos praticados no exercício da função pública, em virtude de dano causado a terceiro. Na hipótese narrada, o agente público é a prefeita.
Vamos adentrar essa controvérsia de forma mais abstrata, mas adianto que estamos diante de um tópico muito relevante, já que, antes da atual decisão, existia divergência entre as interpretações do STJ e do STF sobre essa exata questão.
Segundo o STF, a ação poderia ser movida apenas contra o Estado, que neste caso é o Município de Tabapoã. Por outro lado, para o STJ, a ação poderia ser movida apenas contra o Estado, mas também poderia ser movida apenas contra o agente público, que é a prefeita, ou, ainda, contra ambos, sendo os dois partes legítimas para figurar como réus.
O que diz a Constituição?
O art. 37, §6º da CF determina que: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A tese contrária ao acionamento direto do agente público interpreta que os atos praticados na condição de agente ensejam apenas a responsabilidade objetiva da Administração, por figurar o agente como preposto do Estado.
Nesse caso, caberia a tese da dupla garantia, segundo a qual há a proteção do terceiro prejudicado, pela responsabilidade objetiva do Estado, e a proteção do servidor exercente da função pública, que somente pode ser responsabilizado em regresso pelo Estado, mediante demonstração de culpa ou dolo
Seguindo essa interpretação, no nosso exemplo, Jesus Batista poderia ajuizar a ação apenas contra o Município de Tabapoã, jamais contra o agente e, na hipótese de o Município ser condenado a indenizá-lo, apenas então o próprio Município de Tabapoã proporia uma ação de regresso contra a prefeita para reaver seus prejuízos, necessariamente comprovando a sua atuação com dolo ou culpa.
Do lado oposto está a tese até então adotada pelo Superior Tribunal de Justiça – e também defendida por parte da doutrina, como Celso Antônio Bandeira de Mello – que admite a possibilidade de ajuizamento de ação diretamente contra o agente público.
Os defensores dessa teses argumentam não ser possível extrair do art. 37, §6º, da CF a impossibilidade do lesado voltar-se contra o agente público, já que todo sujeito de direito capaz é responsável pelos próprios atos. Assim, o interessado pode demandar o agente público, devendo comprovar o seu dolo ou culpa.
Ainda que a responsabilidade do agente não seja objetiva, sendo essencial comprovar a sua culpa em sentido amplo, essa poderia ser uma escolha interessante ao lesado dependendo do valor, já que esse não se submeteria ao regime de pagamento por precatórios, como acontece com as pessoas jurídicas de direito público.
Aplicando essa lógica ao nosso exemplo, tanto o Município de Tabapoã, quanto a prefeita ou mesmo ambos, poderiam ser demandados por Jesus Batista.
A título de curiosidade saiba que o Sr. Jesus ajuizou a ação indenizatória por danos materiais e morais contra a prefeita do Município de Tabapoã, não incluindo a pessoa jurídica de direito público, ou seja, o próprio Município, no polo passivo.
Vejamos qual foi a decisão e a tese fixada pelo STF.
O Plenário assentou a ilegitimidade passiva da prefeita. Em outras palavras, decidiu que o agente público não poderia ser responsabilizado diretamente na ação de indenização.
Em seguida, por maioria, fixou a seguinte tese:
“A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O colegiado asseverou que o aludido dispositivo constitucional não encerra legitimação concorrente, ou seja, a ação de indenização também não pode ser proposta contra ambos – o Estado e o agente público. Assim, a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviços públicos respondem sozinhas pelos danos causados a terceiros, considerado ato omissivo ou comissivo de seus agentes.
Após a fixação de uma tese pelo STF na sistemática da repercussão geral, temos uma linha jurisprudencial mais clara sobre o tema. Com isso em mente analise a seguinte afirmativa:
[Questão de prova] Segundo entendimento jurisprudencial, o agente público pode ser acionado judicialmente de forma direta em virtude de dano causado a terceiro por atos praticados no exercício da sua função pública.
A afirmativa está errada! Antes da fixação da tese de repercussão geral essa questão provocaria mais dúvidas e seria desejável a indicação do STJ ou STF para respondê-la de forma segura. Com a consolidação do entendimento do Supremo é possível ter mais tranquilidade em adotar a sua posição.
Vale lembrar que, recentemente, na prova de Técnico Judiciário do TRF4, organizada pela FCC antes da decisão do STF em comento, a seguinte afirmativa foi considerada correta:
[FCC – TRF4 2019] Um particular que sofreu danos morais e materiais em razão de acidente de trânsito causado por agente público, que estava conduzindo viatura pública durante período de licença-saúde, pode demandar a Administração pública para pleitear indenização pelos danos sofridos, sem prejuízo de poder processar diretamente o servidor público, ainda que este estivesse exercendo suas funções irregularmente.
Agora, após a decisão do STF em sede de repercussão geral de que a ação de indenização deve ser proposta contra o Estado, e não diretamente contra o agente público, o item estaria errado.
Por fim, valos aproveitar o tema e relembrar como funciona a responsabilidade civil do Estado!
A responsabilidade objetiva do Estado tem a seguinte estrutura: (I) dano, (II) causalidade material entre o evento danoso e a atuação do agente público (III) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
Uma vez demonstrada a conduta comissiva, o dano e o nexo de causalidade entre ambos – podendo este último ser afastado por culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro ou caso fortuito e força maior –, há responsabilidade objetiva do estado em recompor o prejuízo sofrido.
No caso das condutas omissivas, por outro lado, entende-se que a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, exigindo dolo ou culpa, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.
A pessoa lesada pode ser ou não servidora pública.
Vou esclarecer um último ponto para aprofundar a sua compreensão sobre responsabilidade civil objetiva e evitar confusões.
Se além do Direito Administrativo você também estuda Direito Civil, abrangendo o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, talvez repare que, apesar de os doutrinadores frequentemente utilizarem o termo “responsabilidade civil objetiva” nessas áreas do direito para descrever uma modalidade de responsabilidade extracontratual, os requisitos para a sua configuração variam de acordo com a hipótese.
No Direito Administrativo, a responsabilidade civil objetiva do Estado é a responsabilidade que independe de ato ilícito. Inexistindo a necessidade da comprovação de ato ilícito, o requisito subjetivo da culpa ou dolo perde o sentido, afinal, se o ato é lícito não há porque identificar esses elementos.
No CDC, a responsabilidade objetiva precisa de ato ilícito, mas independe de dolo ou culpa, que é o elemento subjetivo.
No Código Civil, você encontra casos em que a responsabilidade extracontratual independe de ato ilícito. Um exemplo é a deterioração ou destruição de coisa alheia ou lesão a pessoa para remover perigo iminente. É o que acontece quando um motorista desvia de uma criança no meio da rua e bate em um muro, destruindo a propriedade alheia.
Entretanto, no CC também existem hipóteses de responsabilidade independente apenas de culpa, como no caso da responsabilidade dos pais pelos filhos e dos empregadores pelos empregados. Nem toda a doutrina trata essas hipóteses como responsabilidade objetiva de forma indistinta, mas é comum encontrar!
No Direito Administrativo você já sabe: responsabilidade objetiva é responsabilidade que independe de ato ilícito! Não comprovar culpa ou dolo é consequência disso.
É isso, pessoal! Qualquer dúvida ou comentário, por favor postem diretamente aqui no artigo.
Bons estudos!
Erick Alves, em parceria com Marina Reis, do EmÁudio Concursos
Erick Alves
Professor de Direito Administrativo e Controle Externo para concursos há mais de sete anos. É Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2008, aprovado em 6º lugar. Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
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